Uma das atividades mais relevantes da Força no Norte do País consiste em instruir navegantes e fornecer, gratuitamente, capas para motores das embarcações.

Um pequeno descuido durante a navegação pode ocasionar traumas físicos e psicológicos permanentes. Na Região Norte, são frequentes os relatos de escalpelamento — acidente em que os cabelos de passageiros se enroscam no eixo do motor da embarcação, provocando o arrancamento do couro cabeludo e, em alguns casos, de partes do rosto. As lesões podem ser graves e, eventualmente, fatais.
Em 19 de janeiro de 2001, Anny Almeida sofreu um acidente que marcaria sua vida. Aos 15 anos, enquanto se deslocava de barco para o trabalho, teve os cabelos presos ao eixo do motor ao tentar retirar água da embarcação. O acidente resultou na perda total do couro cabeludo, incluindo as pálpebras e parte da orelha, além de três fraturas — duas no rosto e uma no braço.
“Até o momento, já passei por 39 cirurgias. Aliás, o escalpelamento é um acidente que condena a vítima a um tratamento contínuo, sem alta definitiva”, destacou Anny. Atualmente, ela utiliza sua história não apenas para inspirar outras mulheres a enfrentarem o processo de recuperação, mas também para evitar que crianças, mulheres, jovens e adultos sejam vítimas desse tipo de acidente.
“Desde a minha primeira alta, tornei-me ativista da causa. Desenvolvo um trabalho de conscientização para que outras pessoas não passem pelo que passei. Com o apoio da Marinha do Brasil (MB), consigo, por exemplo, alcançar municípios aos quais não teria acesso sozinha”, ressaltou. Nessa atuação, Anny realiza palestras para ribeirinhos, incentivando a instalação de coberturas no eixo dos motores. Quando não há oportunidade de palestrar, ela ainda assim se desloca por meio de navios da MB e visita portos para dialogar com os proprietários das embarcações.
Como a Marinha contribui para evitar o escalpelamento.
Desde 2018, foram registrados 65 casos de escalpelamento somente nos estados do Pará e Amapá, segundo dados da Capitania dos Portos da Amazônia Oriental (CPAOR). A ilha do Marajó (PA) concentra o maior número de ocorrências, sendo mulheres e adolescentes as principais vítimas. Em 2025, até o mês de agosto, dois acidentes já haviam sido registrados.
Nesse contexto, a MB atua como Autoridade Marítima em 116 municípios do Estado do Pará e tem como propósito garantir a segurança da navegação, a proteção da vida humana e a prevenção da poluição hídrica causada por embarcações e plataformas, em conformidade com a Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (LESTA). Para isso, a Capitania realiza inspeções navais diárias, verificando documentações, equipamentos obrigatórios e a presença da proteção no eixo dos motores, com o objetivo de prevenir acidentes de escalpelamento.
“A Capitania também promove palestras de conscientização, instala gratuitamente coberturas nos eixos dos motores, doa toucas protetoras para os cabelos e distribui cartilhas educativas. Durante os Cursos de Formação de Aquaviários, realizados em diversos municípios do Pará, também são abordadas medidas preventivas contra o escalpelamento, reforçando a segurança da navegação”, completou o Capitão dos Portos da CPAOR, Capitão de Mar e Guerra Pimentel.
A MB também integra a Comissão Estadual de Enfrentamento aos Acidentes com Escalpelamento (CEEAE) em Embarcações do Estado do Pará, instituída pela Secretaria de Estado de Saúde Pública em conjunto com outros órgãos estaduais e municipais. O objetivo é promover ações coordenadas que contribuam para a erradicação desse tipo de acidente, cuja prevenção é responsabilidade de toda a sociedade.
Eventos que mudam vidas.
Nos dias 27 e 28 de agosto, a Capitania dos Portos da Amazônia Oriental (CPAOR) promoveu diversas ações voltadas ao enfrentamento e à prevenção ao escalpelamento, no Estado do Pará. No dia 28, data instituída como o Dia Nacional de Combate e Prevenção ao Escalpelamento, foi realizada a cerimônia de encerramento do curso de Marinheiro Fluvial Auxiliar de Convés e de Máquinas, no município de Igarapé-Miri (PA).
Realizado entre os dias 18 e 27 de agosto, o curso capacitou 31 novos aquaviários e teve carga horária de 52 horas-aula. Entre os temas abordados estavam: segurança da navegação, noções de primeiros socorros, noções de combate a incêndio e utilização de equipamentos de salvatagem.
O curso tem como objetivo qualificar profissionais para atuar como fluviários, habilitando-os a conduzir pequenas embarcações com motores de combustão interna, utilizadas na navegação interior, em lagos, rios e no apoio portuário fluvial. “Esse curso foi essencial para mim. Agora, com a Caderneta de Inscrição e Registro (CIR), terei novas oportunidades de emprego”, afirmou o formando Evandro Araújo, de 60 anos.
Durante as ações voltadas ao enfrentamento e à prevenção ao escalpelamento, foram realizadas instalações gratuitas de coberturas nos eixos dos motores das embarcações, além da distribuição de coletes salva-vidas, toucas de proteção para os cabelos e cartilhas educativas. No mesmo dia, 28 de agosto, a Capitania participou de evento promovido pela Organização dos Ribeirinhos Vítimas de Acidente de Motor (ORVAM), entidade integrante da Comissão Estadual de Enfrentamento aos Acidentes com Escalpelamento (CEEAE).
Durante o evento, Raíza Oliveira, vítima de escalpelamento, destacou a importância das medidas preventivas. “Todo cuidado é pouco na hora de embarcar: as meninas devem ficar na parte da frente, nunca retirar água do barco e sempre prender os cabelos. É responsabilidade de todos manter a embarcação segura, para que nenhuma mulher passe por um acidente tão grave, que deixa sequelas para toda a vida. Não somos apenas estatísticas — somos mulheres, nós existimos”, afirmou.
Em 27 de agosto, a Capitania dos Portos da Amazônia Oriental (CPAOR) também participou do I Simpósio sobre Prevenção ao Escalpelamento, promovido pelo Ministério Público do Estado do Pará. Na ocasião, foi apresentada a palestra “Atuação da Capitania dos Portos na Prevenção de Acidentes Aquaviários”. Representantes da CEEAE compartilharam orientações preventivas, os principais desafios enfrentados e os resultados obtidos nos últimos anos.
Em apoio às ações de outros órgãos, a Sociedade Amigos da Marinha (SOAMAR) tem contribuído de forma significativa no combate aos acidentes de navegação, com a doação de cartilhas educativas e toucas protetoras para mulheres e meninas das comunidades ribeirinhas. “A SOAMAR integra o esforço conjunto com a Marinha do Brasil, órgãos públicos e organizações da sociedade civil, promovendo ações de conscientização para que o escalpelamento seja erradicado dos rios do Estado do Pará”, destacou Carlos Nascimento, presidente da instituição.
Também em 28 de agosto, a Capitania dos Portos do Amapá (CPAP) promoveu um evento alusivo ao Dia Nacional de Combate e Prevenção ao Escalpelamento. A programação incluiu palestras sobre prevenção de acidentes e segurança da navegação, voltadas a alunos do ensino fundamental da Escola Estadual Padre Simão Corridori.
O objetivo foi conscientizar os estudantes sobre os riscos do escalpelamento e apresentar medidas preventivas essenciais para a segurança da comunidade ribeirinha. Ao todo, 30 alunos participaram da atividade, com oportunidade de esclarecer dúvidas e receber orientações práticas.
A iniciativa contou com a presença de representantes da Comissão de Direitos Marítimos da Ordem dos Advogados do Brasil do Amapá e da Associação de Mulheres Ribeirinhas e Vítimas de Escalpelamento da Amazônia, que reforçaram a importância da cooperação entre instituições na prevenção desse tipo de acidente.
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