No Norte do país, a fé move mais que montanhas: impulsiona a economia e fortalece identidades.

“Esse capital imaterial precisa continuar sendo fortalecido como vetor de transformação e valor para todo o Brasil”, diz o autor deste artigo.

A fé e a religiosidade no Brasil sempre foram forças vitais que moldam não apenas crenças íntimas, mas traçam perfis socioculturais e determinam impactos concretos na economia, no turismo, no mercado de trabalho e na dinâmica dos municípios. No Norte do país, essa realidade se intensifica por um mosaico de crenças, sincretismos e tradições religiosas enraizadas, que coexistem e se transformam com o tempo.

No Amazonas, por exemplo, o perfil religioso já se alterou significativamente, pois segundo o Censo 2022 do IBGE, os evangélicos passaram de cerca de 30,56% para 39,37% da população com 10 anos ou mais, enquanto o catolicismo caiu de 60,01% para 47,39%. Essa transição não indica enfraquecimento da religiosidade, mas mudança de expressão que tem efeitos práticos em economia local, turismo religioso, eventos culturais e infraestrutura.

Um exemplo recente e vívido do Pará ilustra bem essa força: o Círio de Nazaré, evento de fé e devoção realizado anualmente às vésperas da COP-30 em Belém, movimenta não só os fiéis, mas toda a cadeia econômica, gerando impactos profundos no turismo e na economia local, segundo dados da Secretaria de Turismo do Estado. O grande cortejo do Círio atrai milhões de pessoas, fomenta empregos formais e informais, ativa redes de fornecedores e reverbera reflexos diretos nos setores de hospedagem, alimentação, transporte, comércio e serviços.

A magnitude do Círio mostra como a fé, quando aliada à organização e à valorização cultural, transforma-se em motor econômico e instrumento de projeção internacional para o Norte do país.

No Amazonas, a fé se manifesta de formas que mesclam o religioso e o profano de maneira única, e um exemplo claro é Parintins. Cidade famosa pelo seu Festival Folclórico, símbolo dos bois Garantido e Caprichoso, Parintins também vive intensamente a devoção de Nossa Senhora do Carmo. Em julho de 2024 e 2025, devotos, turistas e empreendedores movimentaram intensamente a cidade durante a novena, procissões, romarias e celebrações religiosas. Os impactos extrapolam o espiritual, reverberando em transporte, hospedagem e outros ritos religiosos-festivos.

Embora não existam dados oficiais sistematizados, os números do Círio podem ser uma boa referência para a dimensão desse fenômeno: a fé, além de ser vetor de integração comunitária e de comércio e economia criativa, especialmente em alimentação típica, hospedagem informal, artesanato religioso, vendedores ambulantes, embarcações de visita e transporte local. Além disso, o Festival Folclórico, evento folclórico cultural, intensifica essa estrutura entre sagrado e popular, criando uma sobreposição de cadeias econômicas que reforçam mutuamente.

Os impactos econômicos decorrentes da religiosidade no Norte vão além dos momentos de festa. Eles influenciam a geração de empregos sazonais, ocupação hoteleira, transporte fluvial e aéreo, uso de espaços públicos, requisição de infraestrutura de segurança, saúde e mobilidade; incrementam arrecadação municipal e estadual e potencializam a promoção de setores de serviço e economia criativa. No Amazonas, o sincretismo religioso e a manutenção de expressões católicas e evangélicas — somados a tradições indígenas e afro-brasileiras — compõem um mosaico identitário que molda a economia de base comunitária.

Também há impactos sociais de médio e longo prazo: fortalecimento de redes de solidariedade comunitária, valorização de mulheres, comunidades ribeirinhas, indígenas e de grupos que assumem o papel de guardiãs de costumes, propiciando a criação de turismo religioso sustentável; além de efeitos sobre coesão social, senso de pertencimento e redes de ajuda mútua que emergem em torno de promessas, romarias e devoções.

Fechando esse panorama, é imprescindível que governos (federal, estadual e municipal) reconheçam o valor estratégico da religiosidade como ativo da economia local, sustentável e cultural. Isso envolve apoio institucional, preservação de manifestações artísticas e culturais, políticas públicas, incentivos a práticas sustentáveis e, legislativamente, mecanismos que ampliem a proteção desses eventos.

No Norte, a fé não apenas move montanhas — ela gera empregos, dinamiza economias, fortalece identidades e projeta o país. Em um contexto de busca por desenvolvimento sustentável, esse capital imaterial precisa continuar sendo fortalecido como vetor de transformação e valor para todo o Brasil.

*O autor é coronel da Polícia Militar, especialista em Políticas e Estratégias (ADEG) e mestrando em Ciências Militares pela Escola de Altos Estudos Militares do Chile.