Os mares e os rios que nos cercam: o dano ambiental por água de lastro e a Amazônia

A Amazônia é uma grande importadora de água de lastro no Brasil

Lillie Lima Vieira*

A água de lastro consiste na água utilizada nas embarcações para manter as condições de equilíbrio e navegabilidade dos navios. Ao sair de um porto com carga, a embarcação tem um peso que garante a sua estabilidade, todavia, ao descarregar, é necessário se valer de outro material para retornar a essa condição, a fim de preservar a sua integridade estrutural.

Isso significa que a embarcação que utiliza o sistema de água de lastro, além da carga, leva água de um ponto a outro do globo. É nesse sentido que surge a problemática ambiental decorrente do uso da água como lastro, a saber: na ausência de troca, ou tendo essa sido realizada indevidamente ou, ainda, não sendo corretamente tratada, a água composta por uma miríade de organismos oriundos de determinadas regiões biogeográficas é descartada em outro ambiente aquático, que possui suas próprias condições bióticas e pode ser submetido às pressões causadas pelos organismos externos.

Essa situação pode resultar no desequilíbrio ecológico do ambiente de destino a partir da introdução de espécies não nativas, aquelas introduzidas em um meio que não o seu originário, que podem se tornar espécies invasoras se efetivamente causarem danos às espécies nativas e ao ambiente no qual foram introduzidas, caracterizando a bioinvasão. Mas afinal, o que a água de lastro tem a ver com a Amazônia?

A Amazônia é uma grande importadora de água de lastro no Brasil. É o que concluem os pesquisadores José Pereira, Newton Pereira e Alan Cunha em uma pesquisa sobre o monitoramento da água de lastro realizada entre 2012 e 2013 no Porto de Santana/Amapá.2 Na época em que a pesquisa foi realizada, a disposição normativa brasileira que regulava as questões sobre água de lastro era a Norma da Autoridade Marítima para o Gerenciamento da Água de Lastro de Navios, intitulada Normam-20, de 2005. Uma de suas exigências era a necessidade de realização de duas trocas da água de lastro pelos navios antes de adentrar a Bacia Amazônica. Assim, a Normam-20/2005 levava em consideração as especificidades do meio aquático amazônico, como deveria – e ainda deve – ser.

No entanto, ainda quando havia tal exigência, pesquisadores identificavam falhas nos sistemas de fiscalização e controle da água de lastro nos portos amazônicos, inclusive em relação ao descarte de água de lastro doce em águas doces, colocando em xeque a ideia do problema ambiental relacionado à água de lastro como um problema relativo aos mares.

Com a revisão da Normam-20, em 2014, a disposição específica relativa à Bacia Amazônica foi subtraída, e assim permanece na versão atualizada de 2019. À luz disso, podemos questionar: a Amazônia continua sendo uma grande importadora de água de lastro no Brasil? Se sim, como averiguar os possíveis danos ambientais se não há norma no sentido de preveni-los?

É o que devemos levar em consideração ao pensar sobre os mares e os rios que nos cercam, pois afinal, como diria Rachel Carson, tudo volta para o mar, o rio-oceano, de modo que é nosso dever pensar as questões sobre a água de lastro com cautela quando se trata da Amazônia.

(*)Graduanda em Direito, na modalidade Integral, na Dom Helder Escola de Direito. Graduanda em Geografia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro e Secretária do Grupo de Pesquisa Responsabilidade Ambiental: Civil e Internacional (Racio), do Programa de Pós-Graduação da ESDHC. Membro do Grupo de Estudos em Direito Civil (GEDIC) da ESDHC. Estagiária no Instituto Brasileiro de Direito do Mar (IBDMAR). Estagiária na Procuradoria Geral do Município de Belo Horizonte. 2 NETO PEREIRA, José P. F; PEREIRA, Newton N.; CUNHA, Alan Cavalcanti da. Monitoramento da Qualidade da Água de Lastro como Suporte à Gestão no Porto De Santana-AP– Amazônia Estuarina/Brasil. In: PEREIRA, Newton N. (Org.). Água de lastro: gestão e controle. São Paulo: Blucher, 2018, p. 171-197.