BR do Mar e suas consequências

Liana Lourenço Martinelli (*)

São Paulo (SP) – A possibilidade de que se repita ainda em 2021 a greve dos caminheiros ocorrida em 2018, ao tempo do governo Michel Temer, pode contribuir para que o projeto de lei nº 4.199/2020 que institui o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem, também chamado de BR do Mar, ganhe prioridade. Afinal, o que motivou a elaboração desse projeto foi exatamente a necessidade de se aumentar o volume de transporte de cargas entre os portos nacionais para se diminuir a dependência ao transporte in terestadual rodoviário, anomalia que ficou explícita à época da greve de 2018.

Só que, depois de ter sido encaminhado em agosto de 2020 pelo governo federal ao Congresso e ter tido o seu texto-base aprovado na Câmara dos Deputados, ao final de 2020, após intensa pressão do governo para que fosse tratado em regime de urgência, o projeto continua em tramitação no Senado. Desta vez, depois de ter suscitado numerosas alterações, em razão de intensas negociações entre senadores, representantes da indústria naval e setores do governo, houve a aprovação de um novo relatório para o projeto de lei.

Isso significa que o texto deverá ser submetido ainda à nova aprovação pela Câmara e que, portanto, o assunto está longe de alcançar um consenso, ainda que esteja claro que, para o sistema logístico, a navegação entre os portos nacionais é a mais adequada, levando-se em conta as dimensões continentais do País.

Para o setor naval, é essencial que a futura lei garanta regras que reduzam custos e gerem empregos e competitividade, mas que evitem perda de soberania, concentração de mercado ou aumento da dependência externa. E, sobretudo, que a indústria naval esteja preparada para a demanda que exigirá uma frota mais ampla, ainda que o projeto já preveja flexibilização das regras de afretamento de navios de bandeira estrangeira. Só assim será possível alcançar a meta de 2 milhões de contêineres a serem movimentados por ano nos portos brasileiros, como prevê o projeto BR do Mar. Hoje, essa méd ia está em torno de 1,2 milhão.

Ocorre que, recentemente, foi apresentado um substitutivo ao projeto de lei nº 2.337/2021 (Reforma Tributária do Imposto de Renda), que propõe a revogação de importantes incentivos fiscais para empresas brasileiras de navegação (EBN) que são aquelas beneficiadas pelo Registro Especial Brasileiro (REB). Esse incentivo é atribuído à indústria naval para garantir a construção e reforma de embarcações. Ou seja, sem esse tipo de incentivo, que estabelece a desoneração compulsória de tributos, a indústria nacional terá a sua competitividade comprometida diante de empresas estrangeiras do mesmo setor.

Obviamente, só a ampliação da frota em 40%, como consta dos planos do governo, não será suficiente para alcançar aquela meta em poucos anos. É preciso que haja demanda, ou seja, que o parque industrial nacional importe insumos e exporte produtos industrializados cada vez mais, além da movimentação exigida pelas commodities. Para isso, no entanto, será necessário que seja aplicado um plano de descentralização dos portos, já que, de acordo com levantamento da Câmara de Comércio Exterior (Camex), mais de 40% da movimentação de cargas está concentrada em a penas dois portos, o de Santos-SP e o de Paranaguá-PR, nas regiões Sudeste e Sul.

Em outras palavras: para um País que dispõe de uma costa com 7.367 quilômetros de extensão, está claro que o ideal seria que houvesse outros portos com grande capacidade de operação, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, o que diminuiria a dependência do sistema de transporte ao modal rodoviário. Para tanto, seria necessário também um plano gigantesco que previsse obras de infraestrutura em vários portos nacionais, sem deixar de investir na ampliação da malha rodoviária, pois, ao chegar ao porto, a carga tem de ser levada por terra até ao importador. E vice-versa.


(*) Liana Lourenço Martinelli, advogada, pós-graduada em Gestão de Negócios e Comércio Internacional, é gerente de Relações Institucionais do Grup Fiorde, constituído pelas empresas Fiorde Logística Internacional, FTA Transportes e Armazéns Gerais e Barter Comércio Internacional.