Seca no estado do Amazonas: impactos no comércio exterior e na produção industrial.

No ano de 2023 o estado do Amazonas sofreu a estiagem mais forte dos 120 anos de registro de chuvas na região. A seca interrompeu a navegação para navios de grande porte no Rio Negro, com efeito negativo na cadeia de suprimento da zona franca de Manaus. O presente estudo tenta quantificar a intensidade das restrições de importações, por meio de dados de monitoramento por satélite de navios e dados alfandegários do estado. Além disso, procura trazer informações sobre efeitos sobre a atividade industrial da região.

Introdução

No segundo semestre de 2023, o regime de chuvas escassas na região Norte desencadeou uma seca em diversos rios da região, afetando o transporte fluvial de mercadorias e pessoas, especialmente no estado do Amazonas. O nível da água do Rio Negro1 atingiu o mínimo histórico, gerando interrupção na cadeia de suprimentos da Zona Franca de Manaus (ZFM), principalmente nos meses de outubro e novembro.

A ZFM é composta pelos polos comercial, industrial e agropecuário. O industrial, mais importante, é importador de diversos bens que são insumos para produção, principalmente, de equipamentos de eletrônicos, motocicletas e bebidas, cuja vendas destinam-se ao mercado nacional. A entrada desses insumos no estado ocorre em maior escala via porto de Manaus: em 2023, cerca de 52% do valor importado e 91% do quantum importados pelo estado foram registrados nessa unidade. A maior parte das mercadorias desembaraçadas em outros estados com destino ao Amazonas também necessitam do transporte fluvial para chegarem ao destino. Outro impacto relevante é o transporte de mercadorias realizado via portos do Amazonas para outros portos do país via cabotagem (transporte doméstico através de águas costeiras), com destino a outros países (exportação). Nesse caso, os destinos mais comuns são os portos de Santos (SP) e Santana (AP).

O transporte fluvial de carga é o principal modal de deslocamento de bens e suprimentos entre povoados e cidades localizados às margens dos rios do estado do Amazonas. Cerca de 60% das vias fluviais da bacia amazônica são navegáveis. O volume de cargas varia durante o período de cheia e de vazante (redução do nível da água) dos rios, afetando o custo de transporte. A dificuldade de navegação nos rios impacta diversas cadeias produtivos, em diferentes graus, com repercussões negativas, como aumento de custos e escassez de insumos, com consequentes interrupções de produção e redução de oferta.

A primeira parte do estudo é a quantificação do impacto gerado pela seca nas importações do estado do Amazonas, utilizando dados de tráfego de navios do PortWatch, de comércio exterior do Ministério Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e índices de quantum calculados com metodologia disponibilizada pela Funcex2. Na segunda parte, avaliamos os possíveis efeitos na produção industrial do estado da escassez ou aumento de custo das matérias primas.

Impacto nas importações do estado

O valor importado pelo estado no período mencionado da estiagem sofreu forte retração devido ao gargalo gerado na navegação dos rios da bacia amazônica, que impossibilitaram que os navios com produtos chegassem aos portos amazonenses. Dados de monitoramento por satélite dos principais portos do mundo disponibilizados pelo PortWatch (gráfico 1) evidenciam a interrupção do fluxo marítimo no porto de Manaus durante a seca da bacia amazônica: há registro de apenas um navio nos 50 dias iniciados em 08/10/2023, ante 18 navios no mesmo período do ano anterior.

O gráfico 2 confirma os dados de satélite e mostra que o impacto foi concentrado nos meses de outubro e novembro na balança comercial do estado do Amazonas, meses com mais dias de navegação interrompida. No mês de outubro, início do impacto da seca nas importações, a queda do índice dessazonalizado de quantum frente ao mês anterior foi a maior da história, de 53%. Com a seca resolvida em meados de dezembro e a volta da navegação, uma quantidade grande de barcos esperavam para chegar a seu destino e o trânsito mais intenso se refletiu em importações mais fortes em janeiro e fevereiro de 2024.

O maior impacto ocorreu nos itens denominados de bens intermediários (BI), categoria de uso que se refere a produtos empregados na produção de outros bens e que o Amazonas é responsável pela internalização de 7,1% dos produtos dessa categoria no país, ante participação 5,2% do valor total importado em 2022.

Impactos na produção industrial amazonense

O Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM) estima que houve prejuízo de aproximadamente R$ 1,4 bilhão em consequência das despesas logísticas extraordinárias (transbordo, estadia e frete) pelo redirecionamento dos insumos pela interrupção da navegação de grande porte para Manaus3.

Ainda segundo a CIEAM, a indústria se preparou para uma interrupção da navegação por cerca de 30 dias, mas a interrupção foi de quase 60 dias4. A estratégia de aumentar estoque de insumos já foi vista em outra crise logística, no período da pandemia, mas tem um custo relativamente elevado, retrocedendo nos aumentos de eficiência obtidos pela adoção de cadeias mais eficientes no modelo just in time.

Adicionalmente, a escassez de materiais causou impacto negativo na produção industrial. De acordo com dados da PIM PF (gráfico 3) do IBGE, a indústria no Amazonas decresceu 7,3% no trimestre encerrado em novembro, na margem. Os segmentos afetados pela retração foram produtos de borracha e plástico, equipamentos de informática, produtos eletrônicos e ópticos, máquinas, aparelhos e materiais elétricos, outros equipamentos de transporte (duas rodas) e produtos diversos que representavam cerca de 50% do valor da transformação industrial do estado em 2021, segundo o IBGE.

Conclusão

Com a previsão por agências ambientais do aumento da frequência de eventos climáticos extremos5, as cadeias de suprimento devem ser adaptar para aumentar a sua resiliência para que os aumentos de custos associados a tais eventos não reduzam sua competitividade. A Zona Franca de Manaus se encontra particularmente susceptível a eventos que prejudiquem a sua produção industrial pela precariedade do acesso rodoviário e grande dependência da navegação pela bacia amazônica.

As opiniões expressas nesse trabalho são exclusivamente dos autores e não refletem, necessariamente, a visão do Banco Central do Brasil.

Marcos Sganserla Torres, Itallo Bruno Santos Alves e Julia Walesca Gomes de Carvalho são servidores do Banco Central do Brasil e atuam no Departamento Econômico (Depec).


  1. A bacia amazônica abrange a região Norte e Centro-oeste e alcança o Peru, Venezuela, Colômbia, Equador e Guiana; os principais rios de navegação são Amazonas, Solimões, Juruá, Tefé, Purus, Madeira, Negro e Branco.
  2. (Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior) no link https://www.funcex.org.br/publicacoes/tds/TDFUNCEX133.pdf
  3. https://cieam.com.br/ohs/data/docs/1/pea_202401_jornal-do-commercio.pdf
  4. https://cieam.com.br/noticias/seca-e-inovacao-logistica-os-desafios-de-navegacao-e-do-transporte-da-zona-franca-de-manaus-em-2024
  5. Adaptation Gap Report 2023 | UNEP – UN Environment Programme

Por Portal da Navegação, via Banco Central do Brasil.