Por Super Terminais em Manaus: transporte por cabotagem para abastecer a ZFM (Foto: Super Terminais/Divulgação)

Falta de política pública fluvial gera subutilização de rios na Amazônia.

Por Conceição Melquíades, do ATUAL.

Manaus (AM) – Principal e, em alguns casos, o único meio de acesso a comunidades na Amazônia, os rios são subutilizados como sistema de hidrovias na região. A constatação é do TCU (Tribunal de Contas da União) em auditoria sobre o uso de hidrovias como logística de transporte.

Segundo o TCU, essa subutilização ocorre por falta de uma política pública que torne barato, seguro e eficaz o transporte fluvial no país. O Tribunal cita os rios Amazonas, Tapajós, Madeira e Tocantins como exemplo da carência de uma logística fluvial na Amazônia. O TCU considera que falta vontade política para fomentar o desenvolvimento do modal.

Diferentemente da navegação marítima, que ocorre em águas oceânicas, o transporte hidroviário se limita às águas interiores e também é uma alternativa eficiente e sustentável para o deslocamento de grandes volumes de carga.

No caso do Amazonas, são transportados por rios grandes quantidade de minério, combustível e soja. O TCU afirma que o transporte fluvial é opção mais barata que a rodovias em termos de custo por TKU (tonelada por quilômetro útil) em comparação também ao modal ferroviário, pois as embarcações fluviais podem transportar grandes volumes de carga de uma só vez.

Além disso, é um meio de transporte mais eficiente do ponto de vista energético, emitindo menos gases de efeito estufa por tonelada transportada. O TCU cita que as hidrovias produzem menos emissões de gases de efeito estufa por tonelada-quilômetro transportado. Isso pode resultar em economias significativas para as empresas e, por sua vez, contribuir para a redução de custos dos produtos finais.

Cenário

O professor Aristides da Rocha Oliveira Júnior, do Departamento de Administração da Faculdade de Estudos Sociais da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), afirma que entre 2010 e 2019 o volume de cargas transportadas pelas hidrovias amazônicas aumentou 235%, passando de 13,183 milhões de toneladas para 44,175 milhões de toneladas.

No entanto, de modo geral, exige pelo menos quatro condições básicas que influenciam essa logística: vias navegáveis, terminais portuários para movimentação das cargas, pessoal qualificado e regulação estatal que proporcionam agilidade, segurança, redução de impactos ambientais e legalidade das operações.

Segundo o professor, essas condições existem na Amazônia devido a instalação de portos do Arco Norte (Itacoatiara-AM e Santarém-PA) no escoamento de grãos. O chamado Arco Norte abrange os estados do Acre, Rondônia, Amazonas, Pará, Mato Grosso e Tocantins.

Entre 2010 e 2023, o volume de soja e milho transportado pelo modal hidroviário no país cresceu 782,35%, saltando de 3,4 milhões para 30 milhões de toneladas.

Mais seca, menos carga

Dados da Antaq (Agência Nacional de transportes Aquaviários) mostram que de janeiro de 2020 a setembro de 2024 o volume de cargas em contêineres transportados por navegação de cabotagem e de longo curso pelos portos de Manaus, seja como importações ou exportações, houve queda na movimentação desse tipo de carga, afirma Aristides.

No caso do Porto Chibatão, principal terminal privado de cargas por contêiner em Manaus, essa queda foi de – 6,63% entre 2020 (4,82 milhões de toneladas) e 2023 (4,46 milhões de toneladas). No período de pandemia da Covid-19, entre 2019 e 2020, em que a atividade econômica desacelerou, houve redução no transporte hidroviário der cargas, mostra a ABAC (Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem). A queda foi de 3,5%.

Aristides Júnior cita que o 2º semestre de 2023 foi afetado pelos efeitos da seca severa no Amazonas. O volume total transportado pelo Porto Chibatão caiu de 520 mil toneladas em setembro de 2023 para 47 mil toneladas em novembro deste ano, considerando os 70 dias nos quais o terminal deixou de operar pela falta de calado mínimo para navegação. A recuperação começou somente em dezembro.

“É preciso considerar que os rios amazônicos são desafiadores em função de suas próprias características hidrogeológicas. Por exemplo, leitos em contínua mudança, volumes variáveis de transporte de sedimentos oriundos do desbarrancamento de encostas fluviais, e do regime de chuvas na Bacia Amazônica. O resultado é que os canais navegáveis se alteram continuamente, fator já bem conhecido pelos agentes que operam e auxiliam o transporte aquaviário na região”, explica Aristides da Rocha.

Segundo Aristides Júnior, o calado (a parte de baixo das embarcações) de grandes navios é um problema no Amazonas. “Um navio porta-contêineres padrão Panamax exige um calado mínimo de oito metros (sem cargas), chegando até 13 metros quando plenamente carregado. Em condições normais (com rios cheios), esse tipo de navio adentra a foz do Rio Amazonas, cujo calado máximo é de quase 12 metros, e consegue chegar até os portos de Manaus”, explica Aristides.

Dragagem

A dragagem de trechos de rios, segundo o especialista, tem efeitos temporários para a navegabilidade. “Essa é uma solução mitigadora dos efeitos, mas com eficácia variável, em razão da intensa mutabilidade dos leitos fluviais de um ano para outro. Assim, por exemplo, em 2023 os afluentes da margem direita da calha do Amazonas foram os mais atingidos pela seca severa, enquanto, em 2024, foram os da margem esquerda, especialmente o Rio Madeira. Para 2025, ainda será preciso mapear os canais navegáveis onde a dragagem se mostrará necessária”.

No longo prazo, o professor reconhece que a tarefa não é simples. Pois exige que sejam realizados a sinalização, monitoramento, dragagem e derrocamento de pedrais, bem como instalações portuárias. São essas mesmas falhas que foram apontadas na auditoria do TCU.

Em junho deste ano, o governo federal assinou duas ordens de serviço para a execução de dragagem de trecho do Rio Madeira. As intervenções são em dois locais: um deles é entre Porto Velho (RO) e Manicoré (AM) e o segundo na travessia da BR-230/em Rondônia.

O investimento de R$ 500 milhões é para serviços de dragagem por cinco anos e inclui também os trechos Manaus-Itacoatiara; Coari-Codajás; Benjamin Constant-Tabatinga; Benjamin Constant-São Paulo de Olivença.

Por Portal da Navegação, via Amazonas Atual.