Ribeirinhos do Pará sofrem diariamente com a dúvida: vai ou não ter comida?

67% das pessoas que vivem na região Norte não sabem se vão ter comida para se alimentar, quase 30% passaram fome

Catarina Barbosa – Brasil de Fato | 

Belém, capital do estado do Pará, localizada no norte do Brasil, é uma cidade cercada por pequenas ilhas. Em uma delas, pessoas que vivem da pesca e do plantio estão sentindo de forma avassaladora os impactos da pandemia e as consequências da falta de planejamento, das omissões e dos erros do governo federal diante da crise sanitária. Nas margens do Rio Guamá, ribeirinhos sofrem diariamente com a dúvida: vai ou não ter comida?

A situação se repete nos quatro cantos do Brasil. No campo e na cidade, afetando ainda mais quem vive na área rural. Uma pesquisa divulgada pela Food for Justice, um instituto de estudos latino americano, analisou os efeitos da pandemia da covid-19 sobre a alimentação da população brasileira e constatou que a região Norte do Brasil é a segunda com mais pessoas em situação de insegurança alimentar: 67%, ficando atrás somente do Nordeste onde 73,1% da população foi afetada.

A insegurança alimentar ocorre quando há preocupação ou incerteza das pessoas com relação ao alimento. Ou seja, ela não sabe se vai ou não ter comida no prato. Para essa situação, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) classifica três níveis de insegurança alimentar: a leve, a moderada e a grave.

A aposentada Catarina Custódia de 80 anos, e seu marido, o lavrador Luis Cardoso, de 79 anos são uma dessas que se enquadram na estatística. “Quando sabemos que tem pouca comida a gente divide em pequenas porções para não faltar”, diz a senhora que tenta sobreviver com a aposentadoria de R$1.100. 

Na casa de madeira simples de, apenas, dois cômodos, uma sala/cozinha e um quarto, a senhora vive com o marido que ainda trabalha, mas com dificuldade, porque sente constantes dores na coluna.

Luis Cardoso, de 79 anos, nasceu em São Miguel do Guamá, no nordeste do Pará. Em sua terra natal, aprendeu a apanhar açaí, pescar e lavrar a terra com seus pais, mas com as atuais limitações de saúde, sequer consegue apanhar o fruto para dar origem ao alimento típico da região.

“Do açaí eu sinto muita falta. Para beber, eu tenho que fazer um esforço para comprar. Quando não tenho dinheiro, vou lá no supermercado, eles me vendem no crediário, quando pego o dinheiro eu vou lá e pago. É isso que me ajuda. Compro cerca de oito quilos de farinha para passarmos o mês, porque somos só nos dois, mas às vezes ajudamos um vizinho que precisa, aí reduz, mas temos que ajudar o próximo. Então, é a farinha, arroz, café, quatro quilos de açúcar, três quilos de feijão. Essas são as minhas comprinhas, o que dá mais ou menos 200 reais. Se continuar desse jeito não vai dar mais nem para morar aqui”.

O que o Luis Cardoso chama de crediário é o “fiado” nos mercados, que abrem uma conta para conhecidos. O açaí ele compra, apenas, quando consegue dinheiro ou quando alguém apanha para ele. 

Quanto aos outros alimentos, todos foram afetados com a inflação. A cesta básica no Pará teve um aumento de 18,5% nos últimos 12 meses, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) chegando a R$ 522,66 e comprometendo mais de 50% do salário mínimo. 

No caso dos ribeirinhos do Rio Guamá, além da comida, há um custo alto com transporte, caso a pessoa não tenha um barco próprio.

O transporte é R$ 10 por pessoa até a capital, Belém. Nesse caso, R$ 40 se Dona Catarina e Seu Luis Cardoso forem juntos. Há também que se comprar o gás de cozinha, água para beber, pagar a energia elétrica e os remédios dela, que é hipertensa e dele que sente dores nas costas.

Dona Catarina Custódia faz questão de dizer que a vida do ribeirinho não é fácil. Tem muito trabalho, mas também muito retorno da natureza. No entanto, a pandemia e a falta de políticas públicas para quem vive na beira do rio sem dúvida deixou a vida mais dura.

“A minha vida piorou. Tem dias que falta comida em casa. Quando a gente vê que não tem comida, a gente reparte aquele pouquinho para o outro dia. Antigamente, eu fazia compras com a minha filha e era aquela ‘sacolada‘ de comida e ainda sobrava dinheiro. Agora eu pago água, pago luz e compro gás, não sobra nada”, conta Catarina. 


Região Norte é a segunda do país mais afetada com a insegurança alimentar ficando atrás, somente, do Nordeste onde o índice ultrapassa 70%. / Reprodução/Infográfico/Food For Justice

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), classifica a insegurança alimentar de três formas: leve, moderada e grave, sendo que a insegurança alimentar leve é quando há preocupação ou incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro ou quanto a qualidade é inadequada.

No caso da insegurança alimentar moderada é quando há redução quantitativa de alimentos entre os adultos ou mudanças na alimentação provocada pela falta de alimento entre os adultos.

Já a insegurança alimentar grave é quando há redução quantitativa de alimentos também entre as crianças e falta de comida para todos os moradores da casa. Nessa situação, a fome passa a ser uma experiência vivida no domicílio. Nesse caso, 29,3% da população que vive no Norte do Brasil foi afetada.


O ribeirinho José Augusto e Miqueje de dois anos e seis meses. Ele é uma das pessoas que foi excluída do auxílio emergencial e passou fome na pandemia. / Catarina Barbosa/Brasil de Fato

Excluídos do auxílio emergencial 

Em tese, o auxílio emergencial é um suporte para as pessoas em situação de vulnerabilidade social acentuadas com a pandemia, mas na prática poucas pessoas estão recebendo, atualmente, o direito, que foi reduzido para R$ 375.

Segundo o Ministério da Cidadania mais de 22 milhões de brasileiros foram excluídos do auxílio emergencial em 2021. O marceneiro José Augusto, 29 anos, que também é ribeirinho das margens do Rio Guamá é um deles. Com apoio da mãe, José cuida do filho de dois anos e seis meses. A mãe da criança faleceu meses após o parto, depois que foi contaminada com a H1N1 e morreu por complicações de uma pneumonia agravada pela doença.

O menino Miqueje não é contemplado com o Bolsa Família e o pai recebeu, durante a pandemia em 2020, uma parcela de R$ 600 do auxílio emergencial e nenhuma a mais. Com a pandemia, ele diz que teve que fazer milagre para não deixar faltar comida para a criança.

“A gente pesca, coloca uma malhadeira, um matapi (instrumento para pescar camarão), dá para se manter, mas os outros que precisa comprar no dinheiro, faltou. Eu me lembro que antes era tudo barato, então, vamos levando. Faltou feijão, arroz que somos acostumados a comer, a farinha. Há meses atrás estávamos comprando a R$ 130 o pacote, agora aumentou para R$ 180”, conta o pescador sobre sentir na pele os impactos da inflação.”

“A essas alturas era para o governo entrar em cada local onde morasse um ribeirinho, ajudar, dar uma cesta básica para cada pessoa, mas o governo não ajudou em nada, nada mesmo e não ajuda. Isso que era para eu receber [Bolsa família], que todo mundo fala que eu tenho direito, porque a minha esposa faleceu, era para eu receber para poder me manter criando o meu filho, mas eu tenho que virar para sustentar”, afirma José.

Sem ajuda do governo, o ribeirinho conta que vive um dia após o outro na luta para que não falte alimento, principalmente, para o seu filho, porque já sentiu na pele a angústia de passar fome.

É uma tristeza muito grande o cara abrir a geladeira não tem nada, aquilo é muito forte, entendeu e uma fome dói, quando dá o horário de almoçar e não ter. É aquela luta”.

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