A viagem do maior comboio fluvial brasileiro

Composto por 35 barcaças com capacidade de transportar até 70 mil toneladas, caravana saiu de Barcarena (PA) com destino a Itaituba (PA)

Carlos Teixeira

A evolução do transporte hidroviário brasileiro ao longo dos anos passa pelo investimento das empresas privadas em infraestrutura, soluções e inovações para as questões logísticas apresentadas. São esforços que aumentam a eficácia das operações e contribuem para o processo de descarbonização. Dentro das saídas encontradas, na navegação interior, algumas se iniciam fazendo história. É o caso do maior comboio fluvial do país, composto por 35 barcaças e com capacidade de transportar até 70 mil toneladas. A operação foi realizada em fevereiro pela Hidrovias do Brasil, empresa de soluções logísticas integradas.  

A caravana levou 10 dias, sem paradas para abastecimento, para percorrer os 1.100 km entre o TUP (Terminal de Uso Privado) de Barcarena (PA) e a Estação de Transbordo de Carga de Itaituba (PA), dentro da rota do Arco Norte. Durante o trajeto, formou-se uma fileira de 346 metros de comprimento e 75 metros de largura. Por enquanto, a empresa é a única com autorização para navegar com essa quantidade de barcaças. “Na primeira viagem, transportamos soja, mas a operação fará parte da nossa realidade e levará milho, soja e fertilizantes pelos rios amazônicos, trazendo mais competitividade ao modal hidroviário e ao agronegócio brasileiro”, explica a VP de Operações da Hidrovias do Brasil, Gleize Gealh. “A nova composição aumenta em 40% a capacidade de transporte quando comparada aos comboios de 25 barcaças da companhia. Com as viagens com 35 barcaças, será possível levar mais carga em uma única viagem, garantindo ganhos na eficiência, redução de aproximadamente 10% no combustível por tonelada movimentada e diminuição na emissão de carbono por tonelada transportada”, detalha. 

“Na comparação com o modal rodoviário, a frota substitui aproximadamente 1.666 caminhões por viagem. Em estudo conduzido pela Hidrovias do Brasil para o relatório de GHG (Inventários de Emissões de Gases do Efeito Estufa), em 2020, verificamos que emitimos em torno de 4g de CO2e (dióxido de carbono equivalente) – medida internacional que estabelece a equivalência entre todos os gases de efeito estufa e o dióxido de carbono – por tonelada por quilômetro útil, enquanto o ferroviário gera em torno de 12g e o rodoviário, 14g”, continua a vice-presidente. Por uma questão de segurança, a companhia conduz o comboio nos períodos de cheia da região amazônica, o que costuma ocorrer entre os meses de janeiro e agosto, a depender da intensidade das chuvas.

Aspectos técnicos envolvidos

Para se preparar para o comboio gigante, a Hidrovias do Brasil investiu em um simulador de manobras, que possui um sistema de navegação e usa tecnologia de última geração. O equipamento conta com radar e carta eletrônica, que reproduz um ângulo de visão de 180° da cabine dos empurradores. A simulação permite que os comandantes experimentem cenários adversos para a navegabilidade, incluindo questões climáticas. Com vida útil estimada em até 30 anos, a barcaça é um tipo de embarcação com alta capacidade de carga. É o meio de transporte mais utilizado em hidrovias no mundo, sobretudo no deslocamento de commodities. A velocidade de uma barcaça depende da potência do empurrador (ou do rebocador) que a move e da velocidade da correnteza natural da hidrovia. A estimativa média da velocidade de um comboio fluvial é de cinco a sete nós (milhas náuticas por hora).

No Brasil, as barcaças têm importância fundamental para o volume transportado nos últimos 20 anos”, esclarece o vice-presidente do Sinaval (Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore), Fabio Vasconcellos. De acordo com ele, a vantagem da viagem em formato de comboio é mesmo o ganho de escala, pois um único empurrador é capaz de mover muitas barcaças. “Comparativamente, as barcaças são os vagões do transporte fluvial, enquanto os empurradores são as locomotivas. Além disso, têm maior flexibilidade e, normalmente, permitem a navegação em áreas de menor calado”, ensina.

Rota de crescente importância

O Arco Norte é constituído pela rede de infraestrutura de sete portos localizados acima do paralelo 16 S, sendo seis localizados na região Norte e um, na região Nordeste. São eles: Porto Velho (RO), Miritituba (PA), Santarém (PA), Barbacena (PA), Itacoatiara (AM), Manaus (AM) e Itaqui (MA). Sua vantagem logística ocorre devido à menor distância para grandes mercados, como os Estados Unidos e a União Europeia, o que o torna um local privilegiado para o escoamento de produtos para exportação. A região também se destaca pela proximidade com o Canal do Panamá, possibilitando reduzir em cerca de 11 dias uma viagem para a Ásia, por exemplo.

Em 2022, o Arco Norte foi responsável pelo escoamento de 37,1% dos grãos do país. No mesmo ano – conforme mostrado na edição de setembro de 2022 da Revista CNT Transporte Atual –, pela primeira vez na história do comércio exterior do Brasil, o Arco Norte ultrapassou a exportação das commodities de soja e milho na comparação com os portos do Sul, do Nordeste e do Sudeste.

A frota de 35 barcaças da Hidrovias do Brasil foi desenvolvida para operar na rota Barcarena–Itaituba, navegando pelos rios Tapajós, Amazonas e Estreitos do Pará – roteiro no qual a empresa opera desde 2016. “Apostamos no Arco Norte pela opção para o escoamento da produção da região Centro-Oeste. Projeções indicam um crescimento da produção de soja e milho para quase 83 milhões de toneladas até 2030. Por isso, desenvolvemos uma rota inédita no país, mudando o fluxo de exportações no Brasil. Somos o único operador logístico independente e integrado da região de Barcarena, encerrando o terceiro trimestre de 2022 com 39% de market share”, exalta Gleize Gealh.

Ela acredita que o crescimento se consolidará com a integração dos modais rodoviário, ferroviário e hidroviário. “São necessários investimentos, como os que ocorreram na BR-163, além do fortalecimento da malha ferroviária, por exemplo, com o projeto da Ferrogrão”, aponta.

Mudança de perfil e empurradores de nova geração

Em linhas gerais, o fortalecimento das hidrovias tende a diminuir o volume da carga transportada por caminhões, assevera Edeon Vaz, diretor-executivo do Movimento Pró-Logística do Mato Grosso. “Para o setor agrário, o melhor modal é o hidroviário. Principalmente no Arco Norte, onde temos o maior volume transportado. Além disso, contamos com vários hubs, que recebem a carga de caminhões para serem transferidas para as barcaças. Essa logística está diminuindo os custos do transporte de grãos”, reconhece.

Além de investir em novas rotas e formas de operação, também é preciso ter alternativas com menor impacto ambiental. Com esse intuito, a Hidrovias do Brasil firmou uma parceria com estaleiro brasileiro Belov para a construção de duas unidades de empurradores de manobra elétricos. A tecnologia reduz a emissão de gases poluentes ao trocar a propulsão convencional a diesel marítimo pela geração híbrida com baterias elétricas, sem perder eficiência e com possibilidade de aproveitamento de energia elétrica renovável. Os empurradores de manobras elétricos são os primeiros a serem produzidos no mundo. “Eles estão em fase final de testes e produção e, em breve, irão entrar em operação e compor a frota da Hidrovias do Brasil no Sistema Norte. Com o funcionamento dos empurradores elétricos de manobra, a atmosfera deixará de receber, por ano, até 2.168 toneladas de CO2, o que equivale ao consumo de 472 automóveis”, adianta Gleize Gealh.

A tecnologia mais sustentável dos novos empurradores é resumida assim por Fabio Vasconcellos, do Sinaval: “No empurrador de manobra, o comandante acelera e desacelera a embarcação. E o sistema híbrido mantém o gerador em sua rotação ideal (em termos de consumo e emissões) e absorve das baterias a potência extra que a embarcação necessita por um curto espaço de tempo. De forma inversa, caso sobre energia do gerador, o sistema híbrido utiliza o excedente para recarregar as baterias. O segundo gerador só é ligado quando a demanda de potência é mais constante e duradoura. No modo híbrido, a redução de consumo e emissões é de 40% em relação a uma embarcação a diesel/elétrica convencional”.

Vasconcellos acrescenta que, no modo totalmente elétrico, a capacidade de armazenamento de energia em baterias é de 600 kWh, o que dá uma autonomia de 1h40 com os motores a 75% de sua potência máxima. “Estima-se que essa autonomia possa chegar a 3h30 nas operações normais de manobra da embarcação. Nesse regime de operação, o consumo e as emissões de gases poluentes são zero”, confirma.

CNT aponta necessidade de investimentos

No documento “O Transporte Move o Brasil – Propostas da CNT ao País”, a CNT (Confederação Nacional do Transporte” aponta a necessidade de investimentos em infraestrutura hidroviária, principalmente, na construção de eclusas e em melhorias de navegabilidade. O desenvolvimento do Sistema Hidroviário do Madeira é mencionado como um dos projetos de destaque a serem perseguidos pelo governo federal.

Por Portal da Navegação, via Agência CNT.